terça-feira, 20 de abril de 2021

Foto pessoal exclusiva para este texto

 
Eu não quero morrer!

Eis o prólogo de todos os meus dias, ditos e sentidos, a partir deste instante que me escapa!


Quando afirmo esse  meu desejo, não nego a morte, este mistério para o qual caminhamos, desde que "uma molécula disse sim a outra molécula"(1), " o único mal irremediável" (2), mas torno dito ao mundo  que não quero morrer no cumprimento do meu ofício, aquilo que escolhi como meio de mudança social,  de construção coletiva de caminhos possíveis, de transformação de vidas. Não quero morrrer, enquanto busco a liberdade e a plenitude das vidas.

 Eu não quero morrer!

E , se não quero a morte que me/nos espera no caminho da escola, na sala de aula, nos demais objetos e espaços escolares compartilhados, é que também quero vivos os meus colegas, meus alunos e seus familiares. Se nos queremos vivos, a quem interessa nossa morte? Quem resguarda nossas vidas, enquanto lidamos com outras vidas? Quem decide sobre nosso respirar?


 Eu não quero morrer!

Não! Não caminho contra o ciclo natural dos dias, não desacato os planos do Universo sobre meus dias, mas não admito que pessoas dotadas de poder e desumanidade decidam sobre vida e morte. Não tenho vocação, nem formação, nem roupa para a martirização. Também não me apetece ser homenageada em notas de pesar, postagens póstumas nas redes sociais... Interesso-me pela vida, a minha e a daqueles com os quais compartilho vida, afeto, aprendizado, poesia, respeito, espiritualidade e sarcasmo. Sim, sarcasmo para sobreviver aos tolos poderosos.


 Eu não quero morrer!

Eu quero a vida que salta de um poema ou de um conto de Conceição Evaristo; a vida que pulsa da primeira dissertação-argumentativa feita por uma aluna que nunca tinha ouvido falar em "texto em prosa"; a vida sem modelos que transborda de uma reação "eu não entendi não!"; eu quero a vida que ri num romance de Machado de Assis, a vida vivente saltitante da linguagem, suas variações, suas figurações... a vida sem papas que arrelia " aí dentoo! ";  eu desejo a vida que grita no poema de Gilka Machado, que diz sem arrodeios no verso de Luísa Romão;  eu quero a vida que floresce na poesia de mulheres do Semiárido e na chuva que lava meu telhado; eu quero a vida que se espreguiça no aluno que cochila sobre o caderno, depois de um dia inteiro de trabalho, sob o sol, no cultivo da uva que vai pra sua mesa da Jacaúna e pro vinho  que você bebe, celebrando sua vida protegida, enquanto decide pela minha morte e a desse aluno-trabalhador-gente que você desconhece.


 Eu não quero morrer!

Se eu não quero morrer, por que você quer me matar, me obrigando a dar aulas presenciais, sem vacinação, sem respeito, sem consideração ? 

Se é tudo pelo direito fundamental à Educação e Educação se faz com pessoas vivas, histórias vivas, contextos vivos, saberes vivos, dúvidas vivas, sonhos vivos, vozes vivas, espaços vivos, porque não importa se morreremos??


 Eu não quero morrer!
 Eu não aceito que o Estado me mate!
 
 Eis o posfácio de todos os meus dias, ditos e sentidos, a partir deste instante que me escapa!


Pók Ribeiro

(1)1. LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
(2) SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. Rio de Janeiro: Mediafashion, 2008. (Coleção Folha Grandes Escritores Brasileiros).




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