Arte de Lorrayne, ex-aluna |
“Tirei
X na redação do ENEM, obrigada, professora!”
A docência, como qualquer
outra profissão, possui seus ônus e louros; que graça teria se assim não o
fosse?! Porém, propositadamente, com fins visivelmente opressores, começaram a
tratá-la como um sacerdócio sobre o qual o seu mártir – o professor – deve se
doar completamente, de modo abnegado e ilimitado. O professor deve abrir mão de
sua existência “em nome da missão que lhe
foi confiada”. Que bonito seria se isso fosse por respeito e não por
exploração e imposição da inércia.
Costumeiramente, em tempos
de resultado do ENEM e outros exames, recebo, com os olhos afogados e os pelos
agitados de emoção, notícias alvissareiras do desempenho dxs alunxs,
agradecimentos e até relatos de reconhecimento bem marcantes. “ Tirei 700 na redação”; “ Tirei 960 na
redação”; “ Só lembrei de você naquela questão”; “Parece que ouvia sua voz”. Isso é que nos alimenta, completa o
pote do gás que tende a esvaziar, mas não dá para ser hipócrita e esquecer
todos os percalços por trás de um bom resultado. Há mérito do professor, sim,
inegavelmente, mas há também do aluno e de sua família que travou batalhas que
só ele/s conhece/m. É importante refletirmos sobre os caminhos desses resultados.
Infelizmente, os que (in)gerem
a Educação visam apenas propagandear índices, resultados, sem importar-se com a
verdade deles. Eles preferem investir, absurdamente, em sistemas que robotizam
o professor, obrigando-o a preencher plataformas moldadas com uma realidade que
nem sempre corresponde àquela vivida em sala de aula. É mais importante para os
“donos do sistema” que o SIEPE esteja preenchido no prazo estipulado, com
frequências e registros de aulas diários, com notas e guias bimestrais, mas
eles não se interessam pela qualidade e eficácia da aula, pela construção
diária, pelos imprevistos que mudam os rumos do planejamento, pelas horas de
preparação de material – e pela ausência deles -, pelas horas de correção, pelas
dificuldades de execução, etc. etc.
A docência é a única
profissão em que a formação continuada é tida como uma extravagância e é
deixada de lado (não sendo proporcionada ou sendo sem qualidade e
aproveitamento algum). Para os “donos do sistema”, não importa que o professor
não tenha tempo para ler, estudar, pesquisar, isso é problema dele. Mais
importante é dar conta do SIEPE em escolas sem ou com internet precária, com
espaços desumanos e uma carga-horária gigante. Estudar para quê? Isso remonta à
ideia inicial de sacerdócio, de doação e martirização, perpetrada, inclusive,
pelos próprios professores que acabam aceitando a condição de coitadinhos, de
subprofissão. Eu não! Orgulho-me de ser professora, livre e engajada!
Mais uma vez o bom resultado
dos meus alunos me faz refletir, afinal, esse resultado é consequência do SIEPE
preenchido em tempo hábil ou das horas que dediquei – e dedico – ao estudo, à
leitura constante, à busca por inovações que chamem o mínimo, a atenção do meu
aluno que vive num mundo repleto de novidades, fora do ambiente escolar?! O bom
resultado dos meus alunos é consequência das planilhas que preenchi,
mecanicamente, todos os bimestres com dados que nunca foram problematizados ou
aproveitados ou dos cursos e especializações que tive que pagar para me
aprimorar?! E o esforço desses alunos que passam o dia inteiro sem nenhum
conforto, com parco material e alimentação, muitas vezes precária?
É importante ressaltar que o
professor, assim como qualquer outro profissional, tem direito ao descanso e a
sua casa não é - e nunca deve ser - extensão do seu trabalho. Não basta
oferecer uma manhã, durante a semana, para que ele elabore atividades, estude,
corrija 400 redações, preencha o magnânimo SIEPE, participe de uma possível
formação. É necessário mais que isso! É fundamental que haja, de fato, respeito
pela docência. É mais importante, ainda, que nos respeitemos enquanto
profissionais.
Por fim, ainda há um lucro
imensurável nisso tudo: o reconhecimento comungado à possibilidade de
autoavaliar-me e aprimorar minha prática em busca de melhores e REAIS
resultados. Afinal, as inúmeras mensagens de agradecimento e reconhecimento
massageiam o ego, mas também deixam clara a importância do estudo constante, do
refazer-se humanamente e profissionalmente. A gratidão é toda minha pela
oportunidade de aprender, experimentar e construir, com meus alunos, essa
educação que acredito!
Erika Jane Ribeiro – Pók Ribeiro
Poeta, professora, aprendiz
de fotógrafa, gente que sente – e muito
Ótima reflexão sobre a atividade docente e seu impacto para além de uma nota, uma mera redação.
ResponderExcluirEm linhas gerais, o professor se realiza através da conquista do aluno e, para além da simples instrumentalização de um conceito, o docente também possui o papel de educar para a vida e formação cidadã.
abraços ;)
Isso! Para além dos números fantasiados de resultados!
ResponderExcluir:)