sexta-feira, 10 de julho de 2020

Carta às luas minguantes de Julho



Arquivo pessoal
Passados tantos relógios, sem que eu me interessasse por suas horas e reclames; sem que me pesasse qualquer receio de marcas ou desespero por guardados, eu ainda entrego-me à contemplação da chama que vacila ante meus olhos, nesse ritual de recomeço dos ciclos que escolhi para ouvir meus monstros antigos e os chegados. Passaram-se tantos, desses papéis desocupados que contam dias, mas eu ainda sigo crendo na fumaça perfumada que adorna esse meu corpo, guardador dessa minha alma sem datas.


E mesmo distante daquele rosto menino que sorri, assim meio de lado, nas fotografias coloridas - quase sépia - 10 X 10, eu ainda lembro que as balas da festa nunca são para mim e tudo bem, porque o que me adoça é esse silêncio madrugadeiro das ruas e a vela tremelicando na porta lateral, onde o gato vigia meus poemas pendurados no varal.

E nesse tempo, que nunca conto, porém mais uma vez se achega para outro giro sobre meu Sol, sei que é preciso, ainda mais, ser como a Lua  a refazer-se em seus ciclos de (re)nascimento constante,  seja alongando cabelos, revirando marés ou parindo os novos seres que habitarão esse chão. As chamas das velas que já me acompanharam nessa e noutras portas, sempre abertas, ensinaram-me sobre teimas sem alaridos e sementes que germinam mesmo entre a sequidão e morbidez das paredes. Eu ainda aprendo a arder e clarear, antes a mim e mais tarde, a estrada que se abre. Eu ainda teimo, tão logo acorde e o caminhar se faça.

Contemplando a lua, que me guarda desde que minha mãe ordenou, aprendo mais sobre nuvens passageiras, atordoadas na ilusão de luzir-se, arrastadas pelo vento que não lhe escuta...Elas vão, tomando outras formas, perdendo fiapos de si, atendendo os (des)mandos de um vento que se joga para toda e nenhuma direção, enquanto a lua retoma seu brilho, alvejando os sonhos e alimentando as deusas que dançam comigo.

É nessa ciranda de ditos que saltam dos versos e das vozes do passado, reverberando nos cheiros, nas cores das paredes e no refúgio dos achados da memória, que me vejo,  fitando o horizonte e essa esperança que sempre parece nascer à leste. Contemplo a lua, subindo em pausas, desejando que também venham os ETs, resgatar essa criança que ainda brinca e saltita em alguma parte perfumada de mim. resistindo aos ciclos que teimam em fechar e acordar dores lombares.

Eu ainda sigo, ignorando as vestes e os detectores de arranhões e cabelos brancos.
Ainda voo.
Só a lua verá!


Pók Ribeiro






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