Graussá [bicho que limpa o lixo que o humano joga na praia ]- Ponta da Tulha - Ilhéus/BA |
Deu por ruminar cada
palavra engolida naqueles dias de alma longe. Coisa de bicho que num silêncio
necessário – e doído - não sabe tragar o bolo de uma só vez. Bicho que precisa
fragmentar as partículas de seu ser, vagarosamente, despedaçar e sentir entre
os dentes e língua o amargor ou o doce dos contatos. Bicho que prefere plantas
brabas e sabe que respirar também dói.
Ritual feito, nunca se
findara. Sempre sobrava um amargo, um fiapo entre os dentes, aquela massa amarga
no canto do siso e daí para uma nova/velha remastigação era um salto – para o
caos. Palavra engolida e ruminada pesava demais. Por mais que pelejasse para
expulsá-las, sempre ficava um resto. O resto dormido, juntado ao silêncio do
outro dia – e do outro e do outro – azedava tudo.
Compreendeu, por fim,
que tinha carências múltiplas. Não dependia de ninguém, por certo; também não
lhe faltava nada dessas tais materialidades. Carecia dela mesma, da alegria
ingênua que já lhe habitara, da loucura ébria de ser bicho de asa. Bicho que
voa leve. Bicho que canta a qualquer hora. Da sina de bicho ser, não fugiria.
Ninguém doma sua natureza.
Ainda assim faltavam os
ventos, dos bons e leves. Faltavam as cores dos olhos e dentes. Cores de gente
também leve, mais pássaro que gente-bicho. Faltava a dança, o corpo bobo,
fluído, embriagado de paz.
A ventania de Iansã
trará e amanhã, bem cedinho, nada mais faltará!
Pók Ribeiro
Pók Ribeiro
Brilhante!!
ResponderExcluir"...Carecia dela mesma, da alegria ingênua que já lhe habitara, da loucura ébria de ser bicho de asa. Bicho que voa leve. Bicho que canta a qualquer hora..."
Belo! Bravo! "Carecia dela mesma, da alegria ingênua "
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir"Faltava a dança, o corpo bobo, fluído, embriagado de paz".
ResponderExcluirMaravilhoso