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No
varal estendido entre a cabeça atordoada e a nuvem pesada, em tons de chumbo,
fé e medos balançam ao vento das plurinformações. O medo se aperta no fio para caber a
inconsequência crescente. A nuvem passa.
Nas
ruas, o invisível passeia livre e feliz pelos espaços que tem conquistado, pelos
corpos em que tem se hospedado e as viagens que tem feito sem pagar passagem
nem taxa de embarque, enquanto a multidão o desafia, protegida pela ignorância e
pela ideia de superioridade às vidas que se perdem. Vidas dos mais vulneráveis.
As
pessoas correm, pedalam, tomam mais um gole, orgulhosas de seu vigor de atleta
e de terem furado o isolamento, burlado as recomendações da OMS e autoridades locais. Elas ostentam,
às gargalhadas, o estandarte da sua idiotia perversa e mortal. Enquanto isso,
os que precisam salvar vidas e todos os outros, nós, que nos esforçamos para
convivermos em paz, com as conflituosas vozes de nossa cabeça, os tantos eus
tão enjoadinhos e os eus dos outros que a gente, também, acaba enjoando; nós e
esse senso de coletividade que ainda alimentamos todas as manhãs, vamos nos
sentindo mais bobos, porém sem culpas ou remorsos.
Ademais,
os sistemas sentem-se mais corpulentos para oprimir, excluir, afinal, amofinado
e picado pelo medo o povo é mais facilmente tangido. É assim que os mandarins
da educação determinam que professores/as devem produzir aulas e materiais
on-line, para seus alunos/as assistirem e realizarem, lá de suas casas, naqueles
espaços desconhecidos, mesmo que nelas não se tenha acesso à internet,
computador, celular. Mesmo que na casa tudo falte, até alimento. Afinal, mais
importante é alimentar o tal sistema de atividades, mesmo que elas nunca sejam
visualizadas; determinam eles, em sintagmas preposicionais repletos de elipses
e oximoros, que nunca serão lidos ou interpretados de forma socialmente
crítica. Enquanto isso, professores reproduzem comandos tal qual a orquestra do
Titanic, tocando para as minorias que têm poder e colete de sobrevivência,
visando estampar os posts da “Maratona de Se aparecer”; outros, seguram, angustiados, os
instrumentos que nunca tocarão, pois sabem que significativa parte do público
teima para sobreviver lá no porão. São os excluídos que nada escutam. Ninguém
lhes escuta, igualmente.
Enquanto
isso, a Arte, Senhora já tão castigada pelo conservadorismo espumando de raiva,
segue sendo o antídoto necessário a luzir ante a escuridão do egocentrismo e
das opressões que se proliferam junto ao vírus. E a Arte vai abrindo as janelas
para o vento da esperança e arrebentando as tramelas da alma para o sentir mais
puro. Quando a distância se faz urgente e solidão e pavor se alojam na mente, é
a música que espanta o temor; é a Poesia que denga e acalanta os sentidos; é o
teatro, o movimento dos corpos, o encontro de imagem, som e enredo que saltam das
telas e vão ocupar a sala vazia, o quarto em resguardo.
Nas
Universidades e laboratórios tantos, todos/as aqueles/as perseguidos/as pelo
obscurantismo que governa – estupidamente – o país, dedicam-se obstinados/as à
busca de medicações, à criação de equipamentos que possam abrandar os males
causados por esse invisível que censura abraços e beijos e vai botando longe
dos nossos olhos, os olhos que amamos perto.
O
Universo tem nos falado, tão logo o cordão umbilical se rompe, mas nossas
limitações mais elementares vão confundindo as vozes e, chega um tempo em que
curvados, vemos apenas o reflexo adornado de nossa existência e aquelas
verdades absolutas de tudo que não é, mas pensamos ser. Um tanto de retóricas guardadas
em arquivos inúteis que dizem mais sobre nossas fraquezas que sobre
eloquências.
É o tempo de depuração que impera. É a voz maior do Universo que
nos ordena o cantinho do pensamento. É a mãe terra arrependida, talvez, de não
nos ter abortado a tempo de salvar-se. Sejamos pois, sementes reaproveitadas e
conscientes das grandezas mais apropriadas para a Poesia: o amor- próximo e
distante-, o silêncio regenerador, a liberdade intangível de sermos luz e o
dever irrenunciável de cuidarmos uns dos outros, em comunhão com a grande mãe
que tão logo devorará nossa matéria.
Voemos!
Pók Ribeiro
(escrito entre 04/04 e 27/04/2020)
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