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Carta
aos insensíveis (Ou manifesto de apoio aos que sentem demais),
Começarei de modo bem direto, antes que
você abandone esta leitura para seguir na construção do simulacro de sucesso
que você noticia: Não está nada bem!! Não!! Nada está, nem estamos bem e não
nos é digno fingir!
De início, remeto esta carta aos
fazedores ou fiscalizadores do ensino nesse país, e já gostaria de trazer-lhes
uma reflexão que aqui não se fará retórica, pois espero que as possibilidades
de respostas se (re)construam na sua consciência política e profissional, em
modo contínuo:
O
que é Educação?
Concebê-la como direito fundamental que
deve ser garantido a todo cidadão brasileiro ou como mera prática didática é o
que, aqui, distinguirá não só os interlocutores desta missiva, como deixará
visível o que de fato é prioridade nesse momento de incertezas, angústias e
calamidade de toda sorte. E devo reiterar: Não está nada bem!! Não!!
Não sei se lhes interessa saber, mas a
mim muito conta dizer, como professora da Educação Básica, da rede pública, eu
estou angustiada, frustrada, descrente, profissionalmente e emocionalmente
destruída. E sabe por quê?
Eis alguns dos principais motivos:
· Porque
tenho visto e ouvido, sem muito poder fazer além de me opor e protestar, a
imposição de um discurso excludente, opressor, cruel que afirma “A educação não
pode parar”. Educação para quem?! Repete-se a mesma prática excludente e
perversa do Governo Federal, em manter o prazo do ENEM, ignorando-se
completamente as tantas desigualdades e o pavor agigantados pela pandemia. ENEM
para quem?!
· Porque
tenho presenciado uma competição insana entre instituições de ensino para
atestar quem consegue enviar o maior número de atividades on-lines, vídeoaulas
e outros produtos digitais, no menor espaço de tempo, para não importa quantos
alunos e se eles acessarão e compreenderão tais produtos;
· Porque
tenho presenciado a anulação e invibilização dos principais sujeitos do
processo educacional e seus contextos e a mecanização das práticas educativas.
O que parece urgente mesmo é o envio massivo dessas atividades e a exibição de
performances. Como se não houvesse uma pandemia nos dizimando...
Afinal, que educação é essa que não
considera os sujeitos, os contextos, as dificuldades econômicas, de acesso às
tecnologias e de aprendizado mesmo? Não posso comungar, silente e satisfeita, com
essa proposição injusta, excludente e anuladora, nem com a robotização da minha
prática que me é tão cara. É também por isso que não estou bem, não está nada
bem!
Não posso estar bem enquanto apenas 5
dos meus alunos, de uma turma de 45, têm acesso ao grupo do Whatsapp, única forma precariamente possível de contato entre nós,
e às poucas atividades e várias indicações de leitura que tenho buscado
preparar, meticulosamente, considerando as suas particularidades e não só para
satisfazer o ego competidor desse sistema desumanizado. Não posso estar bem,
enquanto os outros 40 alunos estão privados de lerem os textos que mando; de
ouvirem os podcasts que preparo com o máximo de afeto, imaginando nossas aulas
de Literatura e sociedade; de tirarem qualquer dúvida; de comungarem suas ideias;
de dizerem como se sentem em meio a toda essa situação angustiante. Não posso
estar bem se não consigo mais compartilhar rapadura, em tardes quentes, entre a
leitura de um texto e o debate sobre bullying e violência contra a mulher,
afinal, aula não é emissão de exercícios em série, execução de comandos ...Ou
é??!
Não posso estar bem enquanto a
contaminação pelo Covid 19 se alastra rapidamente, destruindo famílias,
roubando sonhos e paz, porque além de pais idosos e com doenças preexistentes
eu própria estou sendo engolida pelo transtorno de ansiedade e inserida no
grupo de risco e posso, a qualquer instante, sucumbir a esse inimigo invisível,
afinal nem atleta eu sou. Eu não estou bem e meus/minhas alunos/as, inclusive
os 5 com acesso a internet, têm todo o direito de também não estarem, de não
conseguirem se concentrar, de sentirem medo, afinal, eles são vidas que também
– e muito- importam!
Por fim, gostaria de também deixar
esclarecido, antes que a fúria dos seguidores incontestes do sistema se
agigante, que não me oponho a buscar alternativas, desde que possíveis a cada
contexto específico, sugestivas e não impositivas, justas e equânimes, de
minoração dos danos que esse isolamento tem causado. O estalar desse chicote,
que nos grita prazos e quantidades, tem resultado efeitos também danosos em
nós; basta de tanta desumanização, de invibilização das realidades tão plurais,
de exclusão dos sujeitos menos favorecidos, de redução e mecanização da
Educação!! Basta!!
Eu não estou bem!
Nada está bem, nem você e essa cegueira.
Pók Ribeiro
05/05/2020.
05/05/2020.
Concordo. Estamos vivendo um tempo de insensatez e insensibilidade profundo. Os mais necessitados nada podem fazer diante das decisões governamentais.
ResponderExcluirMomento de reflexão sobre o professorar, ato que não deve ser congruente a desigualdade social.
Hoje postei uma foto. Em tom de luto.
Estava ontem conversando com uma amiga minha e vendo o total despreparo desse ministro da educação pois dês do começo do ano vêm dando inconsistência nas suas ações e ele se fazendo de louco,pois ele acha que "Educação", é você se transformar em uma pessoa robótica que não pensa fora da caixinha e sim nós parâmetros deles,fico imaginando como deve estar o coração de quem vai prestar o vestibular esse ano,quem não tem acesso a tecnologia? Será se é preferível eu fingir que não vejo ou ter uma atitude de que pensa no próximo? Tenho a sororidade com os companheiros de vestibular eu passei por isso ano passado não por uma pandemia, mais por as incertezas que brotam dentro de nós, estou torcendo pra que eles não consigam levar essa ideia adiante, pois ainda é muito cedo pra eles cantarem vitória.
ResponderExcluirLucas Felipe
06/05/2020