foto: Agência Reuters |
Comum às sociedades hegemônicas e dominadoras, os discursos repressivos permeiam toda e qualquer expressão linguística; e nem se iluda com a falsa inocência dos ditados populares. Desde pequena, sempre ouvi que "formiga quando quer se perder cria asas" e, hoje, entendo o peso coercitivo e julgador desse adágio. Para os dominadores formiga boa é formiga que não ousa sair da trilha do formigueiro, que se contenta em levar alimento para a colônia e ainda recrimina a cigarra por cantar, enquanto ela trabalha. Formiga boa não voa; voos são práticas de anárquicos, loucos e sem caráter, diz esse sistema.
Não me conformo - nem contento - com as formigas limitadas às formiguices e, por isso, a Formiga (Miraildes Maciel Mota) causa em mim um turbilhão de sentimentos bons, um despertar de memórias afetivas importantes que, por sua vez, provocam reflexões tão necessárias nessa conjuntura social que anula e deslegitima as vozes dadas à ruptura. Formiga me alegra por trazer-me à lembrança o rosto e as mãos da Maria da Zulmira, mulher negra, pobre, a quem ofereceram, apenas, a trilha do servir. Não criou asas, até que em uma noite de forró e rancheira, dançou até sua alma torna-se, de fato, alforriada. A alma da Maria voou com as bandeirolas.
Emociono-me, inexplicavelmente, com a Formiga porque ela voa. Uma formiga preta que voa! Ela poderia estar, agora, guardada nas várias caixas que o sistema cria para depositar/rotular formigas; pior que isso, poderia ser só mais uma formiga na vala comum, mas Miraildes é Formiga que voa! Mulher negra, nordestina, suburbana que desde sempre arrasta o peso dos múltiplos estigmas. Não foi formiga de roer doce de boneca; quis ser formiga de comer bola. Formiga de asas, que não se perde, mas livra-se dos preconceitos, das limitações e alça voo, por que Formiga quando quer ser feliz, cria asas!!!
Vaaaiiii, "Fomiigaaa!"
Vaaaiiii, "Fomiigaaa!"
Pók Ribeiro
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