sábado, 30 de janeiro de 2016

Ensaio sobre pássaros

Ensaio sobre pássaros*


Os pássaros estão para o infinito, como os olhos para o azul. Há grandeza de pássaro em tudo aquilo que é impróprio para rótulos, regras ou frascos.
imagem do google 
Há dias, um pássaro de vidro tem visitado aquela tal árvore de origamis. Embrenha-se nas cores, faz canto nas formas; nas suas asas, uma infinidade de abraços se aquecem e se doam. E a árvore sorri com todas as cores e dobras que lhe constroem, fazendo do espinho que teima em futucar a pele, portal pro real.
Além de libertos, os pássaros são (des) fazedores  de mistérios: ora cantam para nascer o dia, ora assoviam para chamar o escuro. Se queres ser pássaro, haverá de saber de ventos que despertam a manhã e/ou ninam estrelas. Haverá de ser repleto de inconstâncias, tal qual a brisa que lhe passareia.
O que carregam no bico, além do canto, doce alento? Ah, trazem as sementes, que derrubadas em terra acre, farão brotar pés de vagalumes, galhos de mansidão noturna e uma porção de olhinhos miúdos que sorriem na luz da manhã. Bico de passarinho planta amor nos mais áridos cantos; e brota! Bico de passarinho é baú de poesia onírica.
Quem tem disposição para pássaro, desde cedo, deve saber que quanto mais alto e longe for o voo, mais carregado de azul será. Carece saber, também, que as árvores e suas copas mansas trocam as folhas, arrancam galhos e mudam. Cedo ou tarde, também o passarinho deverá deslocar seu ninho.
Todo aquele que se propõe a passarinhar deve ter inclinação para miudezas, tão amplas que rasgam, e das cicatrizes  ver nascer as asas. De igual modo, aquele que se descobre pássaro deve ter habilidade para amplidões; o vago-repleto do azul celeste. Não há de passarinhar quem não é oximoro constante.
E assim, o ser que pássaro se revela deve permitir-se sofrer de ventanias, de cantarolar liberto; deve abster-se de gaiolas, jejuar de relógios e donatários. Ser pássaro é des-ser de si e de todo outro ou ser com ele: todo.


Erika Pók Ribeiro
* Publicado originalmente na Revista Biografia em 2014


Nenhum comentário:

Postar um comentário