quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sobre dragões




Num tempo de desembestados relógios, escravizando seres ávidos pela conquista do que perece, tem prazo, conservantes, corantes químicos, e fórmulas revolucionárias, torna-se ádvena quem insiste em brotar cores e asas no caos. Quem por espontaneidade não segue, encaretado, as ondas avassaladoras.
Nesse afã do ter, de mais e mais ser visto, vão os seres pisando flores que brotam risonhas do chão fumegante, cerrando os olhos – ou arregalando-os em susto-  para dragões, desconhecendo ou negando o amor.
Presos em engrenagens enferrujadas, de suas crenças obtusas, seguem robóticos desperdiçando todo o azul do céu, todo avermelhado que tinge olhos e aquece a alma numa tardinha poente. Seguem ávidos por uma chegada que nunca se alcança. Enquanto isso, quem se veste de cores miscigenadas, liberta cabelos ao vento e cria dragões num cantinho adornado com velinhas coloridas é visto com assombro, por não caber nos potinhos de conserva.

 - Você cria um dragão?
Se tem medo de fogo, certamente não saberá quão revigorante é arder nas labaredas do amor que abrasa. Se ainda teme a ferocidade, nunca há de ter encarado a vida, com olhos e braços abertos, numa disposição para sangrar ou flutuar. O dragão oferece poesia e dela vive.

- E o amor, acaba? E se acabar, como que a gente faz depois? Indaga um desses jovens elfos que perambulam por aí, ouvindo pássaros, tecendo cores em nuvens, adoçando os sábados sem pé. Rolo um vento leste em minhas memórias e, flutuando em palavras, vejo que apenas sei que amor nasce, cresce e ainda vive. Se morre? Nem quero saber!
Mas, pensando mais...Amor deve acabar também e, depois, substituímos por algo semelhante. Shampoo acaba, chocolate acaba, cabelo acaba...Então, amor deve acabar.(?)

 
- E dá pra perceber que ‘tá acabando? Continua o desnutrido elfo.
Deve perceber sim. Provavelmente vai ficando cinza, sem som, tão amarrotado  quem não se possa mais vestir, sentir, ouvir. É que amor não se compra para repor... A gente vai doando e recebendo, unindo bocas, braços e pernas até que ele se multiplique infinitamente.

-E se a gente guardar um pouquinho de amor na geladeira, pra se um dia ele acabar?
O amor não se dá com potinhos, zíperes ou conservas. Há que plantá-lo num caqueirinho, regá-lo com sorrisos, saliva de beijo demorado e gozo escorrido, cuidar para que as pragas estejam distantes; logo passarinho pousa nele, faz ninho e há de cantar pros teus sonhos.

- E quando não tiver mais riso, beijo ou gozo?
É que o amor brota e se abriga na alma; e ela não perece. O corpo é porta-voz da alma e se contenta com vaguidões, mas a alma necessita de amplitudes.

-Então amor não se acaba.
Assim que tiver a resposta, tratarei de contar aos passarinhos para que estes te cantem que o amor transforma. O amor planta asas e, se não estiveres disposto ao voo pleno, nunca saberás do amor. Eu já sei voar!

Erika Pók






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