(Arquivo pessoal) |
Aos
homens, o poder supremo!
A sociedade é altamente
condescendente com os erros mais absurdos cometidos pelos homens, ao tempo em
que acusa as mulheres, inclusive, daquilo que nunca imaginaram fazer.
Imputam-lhe erros, fracassos, culpas até quando são vítimas. A sociedade
condena as mulheres pelo que não praticaram, na mesma proporção em que perdoa
os homens pelo que muito fizeram.
Não importam as
barbáries que digam, os crimes que cometam, os desvios do seu caráter, os
homens sempre terão a proteção inconteste de seus pares, enquanto que às
mulheres atribuem-se toda sorte de condutas puníveis, mesmo que elas nunca
tenham sequer cogitado cometê-las, na vida e na Literatura, inclusive. O pensar
da mulher é condenado e, por isso, impõem-lhe a mordaça, o calabouço, a
fogueira, o Impeachment. É assim desde
cedo, quando ainda crianças, os meninos têm suas malcriações relevadas, afinal,
“menino é assim mesmo, mais levado”, enquanto que às meninas restam as
imposições e censuras “Se comporte como uma boa menina!” ou “Isso não é coisa
de menina”! Também aos homens é estimulada a camaradagem, o “Clube do Bolinha”
e a proteção mútua inabalável, sobretudo, das falhas, enquanto que às meninas
instiga-se a rivalidade, a disputa, cujo prêmio, mais uma vez, é a perfeita
espécie masculina. E assim a sociedade
segue criando homens que tudo podem e mulheres que nada devem (embora recebam a
conta extensiva).
À Eva, exclusivamente,
se atribuiu a culpa do pecado original, afinal, se não fosse ela, o pobre Adão
não teria comido o fruto proibido e nem teriam sido expulsos daquele paraíso
sem inflação crescente ou Coronavírus. Homens usam as metáforas para os
entendimentos que lhes convêm. Também não fosse o pecado de Eva, lá no começo,
Caim nem teria nascido, nem matado Abel.
De mesma índole, a tal Capitu foi a culpada pela desgraça de Bentinho,
segundo essa lógica acusatória de mulheres. Não se questiona o comportamento
possessivo, machista de Bentinho, tampouco se aborda a abusividade daquele relacionamento.
Bastou ele, dono da narrativa, detentor do poder de dizer, afirmar que olhos
dela eram de cigana oblíqua e dissimulada, porque outro homem lhe dissera,
mesmo ele não sabendo o que aquilo significava completamente. “ ‘Olhos de cigana oblíqua e dissimulada’. Eu não sabia o
que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim.” E
desde então, grande parte dos/as leitores/as limitam-se a discutir se Capitu
traiu ou não Bentinho, tal qual fazem para justificar os inúmeros casos de
violência contra a mulher, afinal, segundo essa máxima patriarcal assassina, se
o homem bateu ou matou é que ela mereceu.
Homens são ensinados a estarem sempre à
frente, na sala de visitas, nos pódios e púlpitos, a não perderem nunca, nem no
baba de bola de saco, por isso quando se veem na iminência da derrota, tratam
logo de inventar uma desculpa ou criar um ardil para manipular a realidade. Já
as mulheres são ensinadas a se acostumarem com a cozinha, os quartinhos do
fundo, a assistência, as suplências, porque chorar é algo delas. Mulher tem que
ser resiliente, mansa, não reclamar da cólica, do parto, do mercado, do murro,
do estupro; já o homem não pode chorar e por isso não se arrisca a sentir dor –
isso é coisa de mulher.
Quando cometem sandices, há sempre uma
consternação coletiva em torno do perdão desses homens que logo viram “meninos,
não sabem o que fazem”, mas às mulheres determina-se sempre que elas “são bem
crescidinhas”, mesmo que ainda crianças, vulneráveis, abusadas pelo poder
falocêntrico que tudo pode sobre os corpos e as vontades das mulheres. É que a
sociedade sempre vai perdoar os homens e condenar as mulheres, por serem
vítimas. Seu maior crime é terem nascido mulheres; qualifica-se triplamente se
são independentes, feministas, sexualmente livres.
Em situações mais extremas, quando são
criminalizados oficialmente, a detenção ou reclusão, em si, não lhe afeta a
imagem, porém a condenação mais temida é virar “mulherzinha” na cadeia. Essa
prática confirma a condição perversa de ser mulher nessa sociedade. Ser mulher
é crime, é pena, é pecado e castigo; é a condenação mais perversa. No campo
político, uma casta mais suprema de homens domina e, num ciclo contínuo e
perverso, cometem crimes e concedem-se perdão, em nome da manutenção masculina
e eurocêntrica do poder. Em maior número, homens brancos e heterossexuais falam
qualquer coisa às tribunas, ofendem, agridem, quebram decoro, são machistas,
misóginos, racistas, homo/transfóbicos, xenofóbicos e até intelectualmente
prejudicados, mas ainda assim continuam exercendo a dominação discursiva e
política, afinal, seu maior salvo-conduto é terem nascido homens. E por ser
homem, da espécie mais valiosa onde somente os brancos de olhos claros e
cabelos fluídos se encaixam - mesmo que mal consigam articular orações simples
-, o atual presidente da República tem seus desmandos, discursos
preconceituosos e temerários, ataques à ordem e à saúde pública, anistiados
pela legião de outros seres supremos – homens, e validados por essa sociedade
que perdoa até os mais vis dessa espécie.
Se fosse ele homem nordestino,
apreciador de aguardente e rapadura, destoante do padrão seleto, talvez lhe
recaísse algum peso, um tanto mais de impedimentos. Porém, diferentemente do
tratamento absolto assentido ao inapropriado presidente, a ex-presidenta Dilma
sofreu um golpe tramado, praticado e legitimado por homens de conduta
questionável, mesmo que não se comprovasse deslize algum, simplesmente por ser
mulher; daquelas que não cedem, não recuam e não aceitam a rédea de macho
algum. Dilma foi condenada, injustamente, por ser mulher, ousando ocupar espaço
de homem, flexionando substantivo até então privativo ao homem, subvertendo a
norma sexista do corpo e da veste adequada ao deleite masculino. Dilma se
bastava – esse fora o maior crime.
Aos homens, o perdão; outorga-lhes a
sociedade.
Eu não sou Deus/a, e ele/ela que me perdoe.
Poeta, professora, escritora, gente que sente - e muito.
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