quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Sobre discurso, patriarcado e caos




O discurso é caracterizado como um sistema de signos e ideias que permite a construção de textos variados, regido por normas e assumido por um determinado sujeito - ou vários -  que pretende(m) agir sobre uma situação ou outros sujeitos, num dado contexto e interrelacionando-se com outros discursos.  (CHARAUDEAU, Patrick e MAINGUENEAU, Dominique, 2004). Assim, toda fala/discurso parte de um sujeito enunciador que incorpora suas experiências, crenças, comportamentos e ideologias nesse discurso, ou seja, manifesta o seu ethos. Por outro lado, os interlocutores, envolvidos na ação discursiva, reagem também com base em seu contexto e construções identitárias, complementando, promovendo a produção , circulação e reconhecimento desses discursos.

Logo, sendo o discurso uma construção contextualizada e interativa, carrega em si não só as marcas de um dado contexto sociopolítico e histórico, mas sobretudo as nuances ideológicas e comportamentais dos sujeitos discursivos envolvidos - enunciadores e enunciatários. 

Em uma sociedade patriarcal, de base colonizadora, como a nossa, que outorga o poder inquestionável dos homens, brancos, sobre os demais sujeitos, impera um discurso excludente e machista, marcado pelo silenciamento de grupos marginalizados, entre eles as mulheres, mesmo que esse discurso seja vago, deficiente ou temerário. A nossa história recente ilustra, abundantemente, essa prática, tendo em vista que a ex- Presidenta Dilma foi vítima de práticas misóginas que vigiavam e ridicularizavam seu discurso, distorcendo falas, deturpando ideias e transformando pequenos deslizes verbais em achincalhamentos abissais. Era - e é - o cerceamento à voz da mulher, a anulação da sua identidade, a proibição da sua existência ativa na política nacional, com aval da grande mídia e dos fugitivos das aulas de Sociolinguística.

Hoje, o presidente eleito por grande parte da sociedade brasileira; parte essa que comunga da sua ignorância, preconceito, brutalidade e insuficiência intelectual, apresenta um pseudo-discurso deficiente, inócuo, marcado pela repetição de pequenos enunciados decorados, desarticulados e carregado de palavras-chave que destrancam a ignorância dos seus enunciatários : "ideologia de gênero", "comunistas", "Venezuela", "família cristã","pátria" ; são, apenas, gatilhos de ódio que nada revelam sobre o desenvolvimento do país. Porém, mesmo diante de toda essa incapacidade linguística, seu poder discursivo não é questionado, julgado ou violado. O tal presidente pode dizer o que quer, livremente, porque mesmo sendo incompetente é homem e a ele tudo é permitido.

Em Davos, no importante Fórum econômico mundial, esse presidente protagonizou o maior vexame discursivo, utilizando, precariamente, 6 minutos tempo a ele destinado. Desarticulado, desengonçado, evasivo, superficial, seu discurso reflete o obscurantismo e anacronismo em que estamos submersos, além do seu desconhecimento acerca da realidade do país que ele presidirá. Recebeu algumas críticas, mas muitas defesas, afinal, ele é homem cis branco e, em razão disso, tudo pode.

Inevitável não comparar... Seus eleitores são aqueles que reclamam da redação do ENEM, justamente porque não conseguem interpretar o tema, articular argumentos críticos de modo coeso e coerente nas 30 linhas destinadas. Se fazem apenas 6 linhas do texto, são desclassificados por não cumprirem o limite mínimo... Alguma semelhança?

Pók Ribeiro



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