quarta-feira, 17 de maio de 2017

Extratos filosóficos da normalidade


(Expriência Sensorial - Exposição Cícero Dias - Fundação Cultural Banco do Brasil - SP)



        Aquilo - ou quem - que cabe no conceito de normalidade, precisa estar revestido de toda couraça definidora, pré-fixada nos modelos ideológicos de quem julga. Logo, "ser normal" ou "estar normal" é um estado existencialista e social daquele que conceitua; nunca do ser/objeto conceituado. 
      É um exercício pleno e bastante construtivo, perceber-se dançando na corda bamba dos (pré)conceitos e julgamentos alheios. Através do que eles pensam que enxergam em mim, abro caminhos mais profundos em meu eu; debruço-me numa claridade tanta, sobre o ser que eles nunca saberão que sou, visto que a sombra das suas definições, impedem uma visão mais "iluminada". Se sou ou não normal, não me interessa, já há muitos incumbidos da pesada missão dos rótulos. 
         Outro dia, num desses telefonemas rotineiros para clínicas, vi-me, atônita, frente a esse tal conceito de "normalidade" e, confesso, fiquei sem palavras, provavelmente mais pálida que de costume. Pego o telefone empoeirado, disco os números, pausadamente, alguém atende e, ao ouvir minha solicitação, transfere-me para o setor responsável.

           - Qual o nome da Senhora??
           Falo meu nome, com uma calma que não me é nata.

           - Erika normal??! Indaga a moça.
           Em milésimos de segundos minha cabeça gira e parece que bebi toda a tequila escondida, há meses. Normal?? Como assim?? A pergunta da perversa atendente vai fazendo eco nas crateras, em ventania, da minha mente. "Erika normal?", "Erika normal?","Erika normal?"
    Lembro que limitei-me a responder, meio engasgada, resfolegando:
           - Erika sem "h" e com "k".
          
           Não satisfeita com o mal estar que causara, ela sentencia:
           - Ah, Erika normal!

       Telefone desligado, fico eu em silêncio, enquanto um barulho se agigantava em minha mente. O que fizera de mim um ser normal? Estaria no alfabeto, o liame da normalidade?
       Passado o susto, vento rodado, alma em perfume, recuperei o riso e graça. Nessa viagem alfabética, um tanto etimológica, sobre a tão frágil "normalidade" humana, fui além das letras - muito mais do que almejaram os egípcios -, passeei, levemente, pelas entranhas do meu ser e vi-me, ali, numa construção infinda, buscando sempre a direção mais leve do vento, o rumo mais manso pras asas. Olhei-me de perto.
       E, de perto, o que somos?



Pók Ribeiro


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