( Ao
mestre Carlos Drummond de Andrade)
Naquela tarde,
quando nasci,
Veio o Sistema
opressor e disse:
- Vai menina,
ser Maria como as outras!
Vai ressecar
teus pés na terra quente,
Buscar bem longe
a água pra tua sede,
E , trazer os
braços secos da natureza
Para esquentar
teu pão!
Anos mais tarde,
como não ousara lhe obedecer,
Embora meus pés
permanecessem fiéis à terra quente,
Veio-me outra
vez o Sistema, mais severo e injusto:
- Vai menina,
ser Maria como as outras!
Conhecer poucas
letras, contentar-se com o assento
Do nome em papel
encardido,
E, casar-se bem
cedo,
Procriar muitos
filhos de sorte igual à tua.
Zombei da tua
cara em verniz, e outra vez,
Segui meu
caminho.
Cuidei dos meus
sonhos,
Busquei novos
rumos;
Fui discípulo,
Mestre,
Retirante...errante,
Mas criei minhas
próprias veredas.
Já furioso,
conhecidamente corrupto,
Reaparece o
Sistema, bem mais tarde, e grita:
- Serás castigada a voltar ao mundo onde as
Marias calam,
Onde os chicotes
ecoam,
Onde a fome, a
miséria,a sede imperam
E as Marias,
cegamente obedientes, seguem
Ao Senhor, o
Sistema.
Deixei-o a falar
sozinho...
Minhas asas já
alçavam voo calmo,
Manso e
glorioso.
Aos meus pés, as
Marias, coitadas!
As Marias , as
Outras e o Sistema agonizando,
Erguendo os braços
para alcançar-me
E degradar-me
junto às Outras.
Não conseguiu!
A menina nascida
na tarde quente não ousou
Ouvir o Sistema!
Erika
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