quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A menina

   ( Ao mestre Carlos Drummond de Andrade)

Naquela tarde, quando nasci,
Veio o Sistema opressor  e disse:
- Vai menina, ser Maria como as outras!
Vai ressecar teus pés na terra quente,
Buscar bem longe a água pra tua sede,
E , trazer os braços secos da natureza
Para esquentar teu pão!
Anos mais tarde, como não ousara lhe obedecer,
Embora meus pés permanecessem fiéis à terra quente,
Veio-me outra vez o Sistema, mais severo e injusto:
- Vai menina, ser Maria como as outras!
Conhecer poucas letras, contentar-se com o assento
Do nome em papel encardido,
E, casar-se bem cedo,
Procriar muitos filhos  de sorte igual à tua.
Zombei da tua cara em verniz, e outra vez,
Segui meu caminho.
Cuidei dos meus sonhos,
Busquei novos rumos;
Fui discípulo,
Mestre,
Retirante...errante,
Mas criei minhas próprias veredas.
Já furioso, conhecidamente corrupto,
Reaparece o Sistema, bem mais tarde, e grita:
- Serás  castigada a voltar ao mundo onde as
Marias calam,
Onde os chicotes ecoam,
Onde a fome, a miséria,a sede imperam 
E as Marias, cegamente obedientes, seguem
Ao Senhor, o Sistema.
Deixei-o a falar sozinho...
Minhas asas já alçavam voo calmo,
Manso e glorioso.
Aos meus pés, as Marias, coitadas!
As Marias , as Outras e o Sistema agonizando,
Erguendo os braços para alcançar-me
E degradar-me junto às Outras.
Não conseguiu!
A menina nascida na tarde quente  não ousou
Ouvir o Sistema!


Erika

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