sábado, 19 de janeiro de 2013

Uauá, sim Senhor!

Foto de Gildemar Sena

Uauá, sim senhor!

_ Uauá!
_ Como?! Auau? ... Auá?! ... O que é isso?!
_  U – A – U – Á.  – soletro calmamente. É a cidade de onde venho e que comigo levo, caminho qualquer que eu vá.
Costumeiramente Uauá causa espanto, seja pela peculiaridade de sua cultura ou pela originalidade do nome. Do tupi – guarani, UAUÁ, significa pirilampo ou vagalume, inseto que emite luz fosforescente, companheiro dos poetas e boêmios locais.
Não é, pois, sobre as dominações de Garcia d’Ávila sertão baiano adentro que falarei, nem das peripécias de Lampião e seu bando pela caatinga uauaense, tampouco lhe direi sobre baús, de ouro e moedas, enterrados por nossos antepassados, que fugiam dos “Revoltosos” da Coluna Prestes, nos idos de 1925 e 1926.
Nada direi sobre o meteorito do Bendegó, caído em terras de Uauá e levado para o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, a mando de D. Pedro II e onde até hoje está. De tal modo, nada mencionarei acerca do primeiro combate da Guerra de Canudos, em 1896, onde  o sertanejo defendia sua liberdade das imposições republicanas. Euclides da Cunha, em sua mais importante obra, “Os Sertões”, fizera um registro sobre a guerra e a terra dos vagalumes:
Uauá
A tropa chegou exausta a Uauá no dia 19, depois de uma travessia penosíssima.
Este arraial — duas ruas desembocando numa praça irregular — é o ponto mais animado daquele trecho do sertão. Como a maior parte dos vilarejos pomposamente gravados nos nossos mapas, é uma espécie de transição entre maloca e aldeia — agrupamento desgracioso de cerca de cem casas mal feitas e tijupares pobres, de aspecto deprimido e tristonho.
Alcançam-no quatro estradas que, a partir de Jeremoabo passando em Canudos, de Monte Santo, de Juazeiro e Patamuté, conduzem para a sua feira, aos sábados, grande número de tabaréus sem recursos para viagens longas a lugares mais prósperos. Ali chegam por ocasião das festas como se procurassem opulenta capital das "terras grandes"; entrajados das melhores vestes, ou encourados de novo; pasmos ante os mostradores de duas ou três casas de negócio, e contemplando no barracão da feira, no largo, os produtos de uma indústria pobre em que aparecem, como valiosos espécimens, courinhos curtidos e redes de caroá. (CUNHA, 1902. Grifo nosso)
Mesmo naquela época, ainda um pequeno arraial isolado, Uauá já se destacava pela animação e poder agregador.
Afinal, o que é UAUÁ?
Eu direi ardorosamente: é a terra dos vagalumes, de homens e mulheres dotados de uma inenarrável luz, banhada pelo Rio Vaz Barris que fertiliza a magia que brota em versos, notas, acordes, cores, movimentos...
Conhecida nacionalmente pelo sabor inigualável da carne de bode e pelo beneficiamento do umbu e seus derivados (comercializados, inclusive, na Europa), Uauá tem seu destaque maior na cultura popular, na efervescência poética que brota de suas ruelas e botecos. São cantores, músicos, poetas, artistas plásticos, cordelistas, benzedeiras, filósofos de balcão, comunistas estelares, artesãos, gente... Gente que tem orgulho de ser e fazer Uauá.
Pensas que é mero ufanismo de sertanejo tresloucado? E eu te convido a participar das alvoradas de São João, dos Reisados; a beber um gole de sei lá o quê, no Bar de Ademar; a andar na feira entre barracas de fumo de rolo, farinha e quebra-queixo e sair imune, e, não ver acender o lume que brilha nessa gente, nessa terra-poesia-vagalume.

Erika Pók Ribeiro

Publicado originalmente na Revista Biografia

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